“Modelo diz que não oferecia vantagens indevidas a prefeitos
Suspeita de participar da quadrilha que lavava dinheiro e desviava recursos de fundo de pensão, a modelo e agente de investimentos Luciane Hoepers disse que não oferecia vantagens indevidas a prefeitos e que apenas negociava investimentos (…)
‘Só porque sou bonita sou condenada a ser prostituta? Só porque sou bonita eu não tenho capacidade para convencer que o instituto de previdência possa investir num fundo que está sendo mais rentável?’, disse. ‘Se tiver alguma escuta que me coloque cobrando ou me oferecendo para ir para a cama, que a delegada solte e comprove.’
Luciane Hoepers, 33, é loira, tem olhos verdes e aparece em fotos sensuais espalhadas pela internet. Ela ficou cinco dias presa e foi indiciada por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.”
A modelo-agente-de-investimento diz que não oferecia vantagens indevidas a prefeitos. Mas nenhum dos dois crimes mencionados na matéria – lavagem de dinheiro e formação de quadrilha – falam em vantagem indevidas.
Já o artigo 333 de nosso Código Penal diz que é corrupção ativa “oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. Se há suspeita de que alguém ofereceu sexo para obter um benefício de um servidor público, por que então não indiciar por corrupção ativa?
Nos extremos, é fácil identificar uma vantagem indevida. Dar dinheiro para o servidor público deixar de aplicar uma multa ou facilitar a licitação, por exemplo, é claramente oferecer uma vantagem indevida.
Mas oferecer o próprio sexo pode ser considerado uma vantagem indevida?
Deixando de lado as possibilidades de piada com o assunto porque, dependendo do parceiro ou parceira, sexo pode virar um enfado, o debate é interessante do ponto de vista jurídico.
O problema é que a lei não diz claramente o que é ‘vantagem indevida’. Isso é feito para que o magistrado tenha a possibilidade de usar seu bom senso na hora do julgamento. Se a lei apresentasse uma lista completa de tudo aquilo que constitui vantagem indevida, certamente deixaria de fora milhares de outras possibilidades, e os criminosos poderiam usar sua criatividade para usar essas brechas legais.
Mas voltemos ao sexo: oferecer-se para fazer sexo com o servidor público pode ser considerado uma vantagem indevida?
A resposta para alguns juristas é ‘não’, por dois motivos.
Segundo eles, isso envolveria uma análise subjetiva e impossível das razões das duas (ou mais) pessoas estarem fazendo sexo.
Ao dar dinheiro ao guarda para ele não multar, o corruptor está oferecendo um benefício para que o guarda cause um dano ao erário público ao não aplicar a lei. O guarda ganha, mas o corruptor perde, ainda que ele perca menos do que se o guarda tivesse aplicado a lei corretamente (o valor da propina é menor que o valor da multa, por exemplo).
Mas, ao oferecer sexo, as duas partes ganham (ao menos em teoria), já que as duas partes são capazes de ter prazer sexual. Porque as duas partes ganham, é impossível dizer que a primeira pessoa fez sexo com a segunda para que esta segunda – funcionário pública – beneficiasse a primeira. Ela pode muito bem ter feito sexo porque queria ter prazer sexual com aquela outra pessoa.
‘Ah, mas o servidor público era feio e a moça era modelo’. Mas as pessoas não são movidas apenas pela beleza, e mesmo aquelas que são movidas puramente pela beleza podem ter fetiches diversos.
Imagine um julgamento no qual o magistrado tivesse que ponderar as razões de duas pessoas fazerem sexo consensual. “Você fez sexo com ele por que o achava atraente, por piedade, ou por que ele podia te ajudar na licitação?”
Além disso, sexo não pode ser devido. Ninguém tem o direito de exigir fazer sexo com ninguém. Logo, todo sexo, por definição, é indevido. O único sexo legal é aquele naquele as duas (ou mais) partes agem consensualmente. Ninguém deve sexo a ninguém, e ninguém tem créditos ou direitos sexuais sobre ninguém.
Mesmo nos casos de prostituição, quando o cliente já pagou, a prostituta tem o direito de dizer ‘não’. E se o cliente fizer sexo com ela contra a vontade da prostituta, ele a estará estuprando, e isso é crime.
Logo, se todo sexo é indevido, criaríamos um mundo de perigosa incerteza se todas as vezes que fôssemos fazer sexo com um servidor público tivéssemos que deixar claro que não tem nada a ver com o que podemos obter dele no futuro, já que a vantagem indevida já estaria configurada antecipadamente.
Em outras palavras, se todo sexo é, por definição indevido, e se é impossível saber as reais – ou mesmo aparentes – razões de uma pessoa ir para cama com a outra, é impossível dizer que fazer sexo com fulano ofereceu-se a cicrano para corrompê-lo ou para satisfazer suas fantasias.
O problema dessa interpretação é que ela é aplicável na vasta maioria dos casos. Mas o que dizer nos casos mais escancarado, como o da motorista que diz para o guarda algo como ‘a gente vai ali para trás do carro e fazemos sexo se você não aplicar a multa’? Aqui existe um vínculo direto com as razões para se oferecer sexo ao servidor público.
Aqui, por irônico que seja, voltamos ao debate incitado pelas piadas citadas acima: sexo pode ser considerado uma vantagem? Se considerarmos vantagem como um benefício ou privilégio, sim, em teoria. Mas como apurar a qualidade do sexo para dizer que é de fato uma vantagem? E vantagem em relação ao que ou a quem?